domingo, 13 de fevereiro de 2011

A DIFÍCIL ARTE DE DIZER NÃO AOS FILHOS

Você costuma dizer não aos seus filhos?
Considera fácil negar alguma coisa a essas criaturinhas encantadoras e de rostos angelicais que pedem com tanta doçura?
Uma conhecida educadora do nosso país alerta que não é fácil dizer não aos filhos, principalmente quando temos os recursos para atendê-los.
Afinal, nos perguntamos, o que representa um carrinho a mais, um brinquedo novo, se temos dinheiro necessário para comprar o que querem? Por que não satisfazê-los?
Se podemos sair de casa escondidos para evitar que chorem, por que provocar lágrimas?
Se lhe dás tanto prazer comer todos os bombons da caixa, por que fazê-los pensar nos outros?
E, além do mais, é tão fácil e mais agradável sermos bonzinhos...
O problema é que ser pai é muito mais que apenas ser bonzinho com os filhos. Ser pai é ter uma função e responsabilidade sociais perante os filhos e perante a sociedade em que vivemos.
Portanto, quando decidimos negar um carrinho a um filho, mesmo podendo comprar, ou sofrendo por lhe dizer não, porque ele já tem outros dez ou vinte, estamos ensinando-o que existe um limite para o ter. Estamos, indiretamente, valorizando o ser.
Mas, quando atendemos a todos os pedidos, estamos dando lições de dominação, colaborando para que a criança aprenda, com nosso próprio exemplo, o que queremos que ela seja na vida: uma pessoa que não aceita limites e que não respeita o outro enquanto indivíduo.
Temos que convir que, para ter tudo na vida, quando adulto, ele fatalmente terá que ser extremamente competitivo e, provavelmente, com muita flexibilidade ética, para não dizer desonesto.
Caso contrário, como conseguir tudo? Como aceitar qualquer derrota, qualquer não, se nunca lhe fizeram crer que isso é possível e até normal?
Não se defende a ideia de que se crie um ser acomodado, sem ambições e derrotista. De forma alguma. É o equilíbrio que precisa existir: o reconhecimento realista de que, na vida, às vezes se ganha e, em outras vezes, se perde.
Para fazer com que um indivíduo seja um lutador, um ganhador, é preciso que ele aprenda a lutar pelo que deseja, sim, mas com suas próprias armas e recursos, e não fazendo-o acreditar que alguém lhe dará tudo, sempre, e de mão beijada.
Satisfazer as necessidades dos filhos é uma obrigação dos pais, mas é preciso distinguir claramente o que são necessidades do que é apenas consumismo caprichoso.
Estabelecer limites para os filhos é necessário e saudável.
Nunca se ouviu falar que crianças tenham adoecido porque lhes foi negado um brinquedo novo ou outra coisa qualquer.
Mas já se teve notícias de pequenos delinquentes que se tornaram agressivos quando ouviram o primeiro não, fora de casa.
Por essa razão, se você ama seu filho, vale a pena pensar na importância de aprender a difícil arte de dizer não.
Vale a pena pensar na importância de educar e preparar os filhos para enfrentar tempos difíceis, mesmo que eles nunca cheguem.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

A CADEIRA NO CAMINHO

Depois de um dia inteiro passado longe da família, entra em casa o pai, à noite.
Sua chegada alvoroça o filho que, esperando algum presente para ele, se precipita de braços abertos.
Por descuido, o pequeno estabanado vai de encontro a uma cadeira no caminho, e cai no chão, violentamente.
Não se machucou, mas, assustado pela surpresa da queda, põe-se a chorar em altos gritos.
Então, o pai só pensa em duas coisas: fazer calar o menino e acalmá-lo. Como conseguirá?
Facilmente, associando-se simplesmente aos sentimentos da criança, ajudando-a a soltar a rédea aos maus instintos.
Como assim? Liberando maus instintos? Não seria justamente o oposto que deveríamos fazer?
Pois bem, vejamos como a reação desse pai mostra que tomamos muitos caminhos absolutamente equivocados na educação de nossos filhos.
Reforçamos os maus instintos sem perceber, mais vezes do que imaginamos.
O pai precipita-se, levanta a criança, e começa a bater na cadeira ruim, cadeira feia, que fez cair o Carlinhos ou o Joãozinho.
Desse modo consegue rapidamente o que se propusera, pois Carlinhos ou Joãozinho, feliz por ver a cadeira castigada, cala-se, bate-lhe também, e fica satisfeitíssimo.
Não é verdade que assistimos cenas como essa diversas vezes?
Vamos analisar então o alcance real desse ato que tão inocente se supõe.
Quem tem culpa da queda da criança? Ela mesma, evidentemente. E quem foi castigada? A cadeira.
Lançando a culpa à cadeira, perde-se uma oportunidade de demonstrar praticamente à criança as conseqüências de sua imprudência e da sua atrapalhação.
Assim se deforma o seu critério de julgar, apresentando-lhe uma falsa relação entre a causa e o efeito.
Toda oportunidade de trabalhar esta temática, a da causa e do efeito, com as crianças, deve ser abraçada com vigor, pois nas pequenas aplicações do dia-a-dia está o desvendar de uma Lei Divina fundamental.
Mas, poderíamos ainda ir além e perguntar: por que sempre precisa haver um culpado? Por que não ensinamos as crianças a entenderem que existem muitas coisas que fazem parte da vida, e que sempre nos ensinam alguma coisa?
A cadeira no caminho poderia estar ensinando o cuidado, a atenção, ou ainda, poderia ser apenas uma cadeira no caminho.
Se fôssemos, na vida, abrir um berreiro, ou buscar culpados, para cada cadeira no caminho, esqueceríamos de viver, certamente, e seríamos só lamentos ambulantes.
Não deixemos que nossos filhos cultivem visões distorcidas da realidade desde cedo.
Não permitamos que a superproteção, ou nossos próprios medos atrapalhem o bom desenvolvimento de um ser, que precisa aprender a enfrentar os desafios da vida.
Punir a cadeira feia nunca será a solução. Nem deixaremos de sentir a dor da queda, nem resolveremos o problema da cadeira no caminho.
Entender que a lei de causa e efeito nos rege em todos os campos, inclusive no moral, faz-se importantíssimo, se desejamos ser bons pais e educadores.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

SOFREDORES PROFANOS E INICIADOS

O problema não é sofrer ou não sofrer – o problema está em saber sofrer, ou não saber sofrer.
Nenhum homem profano sabe sofrer decentemente – mas todo o iniciado pode sofrer serenamente, e até jubilosamente.
Que se entende por profano e iniciado?
Profano é todo aquele que está pró (diante) do fanum (santuário); é todo o exotérico que contempla o santuário do homem pelo lado de fora, e nunca entrou no seu interior. Que sabe esse profano, esse exotérico da realidade central de si mesmo? Ele, que passa sua vida inteira a se interessar somente pelas periferias externas da sua vida?
Iniciado é aquele que realizou o seu inire, o seu ir para dentro, a sua entrada no santuário de si mesmo; esse é um esotérico, um iniciado.
O profano é ignorante – o iniciado é um sapiente da sua própria realidade.
O profano, o ignorante, o analfabeto de si mesmo, não pode sofrer resignado; revolta-se necessariamente contra o sofrimento, que atinge todo seu ego humano, única coisa que ele conhece. Para todo profano, o sofrimento é um terremoto, um cataclisma, uma tragédia arrasadora. Este caráter negativo do sofrimento não vem do próprio sofrimento, mas vem da ignorância e ilusão do sofredor.
Dificilmente, poderá o sofredor modificar as circunstâncias externas da sua vida; que estão além do seu alcance, e por isto não pode abolir ou suavizar a sua dor.
O que o sofredor pode modificar é somente a substância interna de si mesmo, a atitude do seu Eu central, a sua consciência – e com esta nova perspectiva de dentro, o fenômeno externo do sofrimento adquire um aspecto totalmente diferente. Se o sofrimento não pode ser amável, pode ser pelo menos tolerável.
Todo o sofrimento, repetimos, é tolerável, quando o homem pode tolerar a si mesmo.
A amargura máxima do sofrimento não está no fenômeno externo dele, mas na atitude interna do sofredor. E essa correta atitude interna supõe autoconhecimento. Quando o sofredor sabe que não é o seu Eu divino, mas apenas o seu ego humano que sofre, então pode ele sofrer serenamente, e mesmo sabiamente – talvez até jubilosamente, por saber que ele está construindo a “única coisa necessária que nunca lhe será tirada”.
A maior acerbidade do sofrimento, como dizíamos, está na sua absurdidade, no seu aspecto paradoxal, no seu caráter antivital e antiexistencial – mas esse aspecto não vem do sofrimento em si, mas unicamente da falsa perspectiva do sofredor. O sofrimento do sofredor profano é necessariamente absurdo, paradoxal, antivital, antiexistencial, e é capaz de levar o sofredor à revolta, à frustração, ao suicídio, ou ao inferno em plena vida.
É pois de suprema sabedoria que o homem mude de perspectiva e atitude – e isto, não quando vítima de uma tragédia, mas em tempos de paz e bonança. Dificilmente, o sofredor alcançará essa serenidade durante o sofrimento, se, antes dele, não a tiver alcançado. O remédio contra as dores não deve ser tomado apenas na presença delas, mas antecipamente, em tempo de saúde e tranquilidade. O remédio é, sobretudo, uma profilaxia, e não somente um corretivo. O homem deve vacinar, imunizar todo seu ser com o soro da verdade sobre si mesmo, para que, na hora da tragédia, não sucumba ao impacto das bactéria mortíferas da revolta e do desespero.
Tenho assistido a cenas de desespero ao pé de um caixão mortuário ou de um túmulo aberto – e é inútil tentar aliviar o sofrimento dos sobreviventes, quando lhes falta uma base de longos anos, uma vivência na verdade do seu próprio ser. O remédio para a hora da tragédia tem de ser dado meio século antes da eclosão da tragédia, durante os meses e anos da sua incubação.
Quem enxerga o porquê da sua existência terrestre apenas nos gozos, já está em véspera de frustração. Quem confunde os objetivos da vida – fortuna, prazeres, divertimentos – com a razão-de-ser de sua existência – autoconhecimento e auto-realização – é um profano, exotérico, e não pode encontrar conforto na hora do sofrimento. É suprema sabedoria iniciar-se na verdade do ser humano desde o princípio. Todos os objetivos da vida têm de ser integrados totalmente na razão-de-ser da existência.
Texto extraído do livro de Huberto Rohden: Porque sofremos