terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

SOFREDORES PROFANOS E INICIADOS

O problema não é sofrer ou não sofrer – o problema está em saber sofrer, ou não saber sofrer.
Nenhum homem profano sabe sofrer decentemente – mas todo o iniciado pode sofrer serenamente, e até jubilosamente.
Que se entende por profano e iniciado?
Profano é todo aquele que está pró (diante) do fanum (santuário); é todo o exotérico que contempla o santuário do homem pelo lado de fora, e nunca entrou no seu interior. Que sabe esse profano, esse exotérico da realidade central de si mesmo? Ele, que passa sua vida inteira a se interessar somente pelas periferias externas da sua vida?
Iniciado é aquele que realizou o seu inire, o seu ir para dentro, a sua entrada no santuário de si mesmo; esse é um esotérico, um iniciado.
O profano é ignorante – o iniciado é um sapiente da sua própria realidade.
O profano, o ignorante, o analfabeto de si mesmo, não pode sofrer resignado; revolta-se necessariamente contra o sofrimento, que atinge todo seu ego humano, única coisa que ele conhece. Para todo profano, o sofrimento é um terremoto, um cataclisma, uma tragédia arrasadora. Este caráter negativo do sofrimento não vem do próprio sofrimento, mas vem da ignorância e ilusão do sofredor.
Dificilmente, poderá o sofredor modificar as circunstâncias externas da sua vida; que estão além do seu alcance, e por isto não pode abolir ou suavizar a sua dor.
O que o sofredor pode modificar é somente a substância interna de si mesmo, a atitude do seu Eu central, a sua consciência – e com esta nova perspectiva de dentro, o fenômeno externo do sofrimento adquire um aspecto totalmente diferente. Se o sofrimento não pode ser amável, pode ser pelo menos tolerável.
Todo o sofrimento, repetimos, é tolerável, quando o homem pode tolerar a si mesmo.
A amargura máxima do sofrimento não está no fenômeno externo dele, mas na atitude interna do sofredor. E essa correta atitude interna supõe autoconhecimento. Quando o sofredor sabe que não é o seu Eu divino, mas apenas o seu ego humano que sofre, então pode ele sofrer serenamente, e mesmo sabiamente – talvez até jubilosamente, por saber que ele está construindo a “única coisa necessária que nunca lhe será tirada”.
A maior acerbidade do sofrimento, como dizíamos, está na sua absurdidade, no seu aspecto paradoxal, no seu caráter antivital e antiexistencial – mas esse aspecto não vem do sofrimento em si, mas unicamente da falsa perspectiva do sofredor. O sofrimento do sofredor profano é necessariamente absurdo, paradoxal, antivital, antiexistencial, e é capaz de levar o sofredor à revolta, à frustração, ao suicídio, ou ao inferno em plena vida.
É pois de suprema sabedoria que o homem mude de perspectiva e atitude – e isto, não quando vítima de uma tragédia, mas em tempos de paz e bonança. Dificilmente, o sofredor alcançará essa serenidade durante o sofrimento, se, antes dele, não a tiver alcançado. O remédio contra as dores não deve ser tomado apenas na presença delas, mas antecipamente, em tempo de saúde e tranquilidade. O remédio é, sobretudo, uma profilaxia, e não somente um corretivo. O homem deve vacinar, imunizar todo seu ser com o soro da verdade sobre si mesmo, para que, na hora da tragédia, não sucumba ao impacto das bactéria mortíferas da revolta e do desespero.
Tenho assistido a cenas de desespero ao pé de um caixão mortuário ou de um túmulo aberto – e é inútil tentar aliviar o sofrimento dos sobreviventes, quando lhes falta uma base de longos anos, uma vivência na verdade do seu próprio ser. O remédio para a hora da tragédia tem de ser dado meio século antes da eclosão da tragédia, durante os meses e anos da sua incubação.
Quem enxerga o porquê da sua existência terrestre apenas nos gozos, já está em véspera de frustração. Quem confunde os objetivos da vida – fortuna, prazeres, divertimentos – com a razão-de-ser de sua existência – autoconhecimento e auto-realização – é um profano, exotérico, e não pode encontrar conforto na hora do sofrimento. É suprema sabedoria iniciar-se na verdade do ser humano desde o princípio. Todos os objetivos da vida têm de ser integrados totalmente na razão-de-ser da existência.
Texto extraído do livro de Huberto Rohden: Porque sofremos

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