segunda-feira, 18 de julho de 2011

Antero de Quental - NASCIDO na ilha de São Miguel, nos Açores, em 1842, e desencarnado por suicídio, em 1891.


Depois da morte
1
Apenas dor no mundo inteiro eu via,
E tanto a vi, amarga e inconsolável,
Que num véu de tristeza impenetrável
Multiplicava as dores que eu sofria.
Se vislumbrava o riso da alegria
Fora dessa amargura inalterável
Esse prazer só era decifrável
Sob a ilusão da eterna fantasia.
Ao meu olhar de triste e de descrente,
Olhar de pensador amargurado,
Só existia a dor, ela somente.
O gozo era a mentira dum momento,
Os prazeres, o engano imaginado
Para aumentar a mágoa e o sofrimento.
2
Misantropo da ciência enganadora,
Trazia em mim o anseio irresistível
De conhecer o Deus indefinível,
Que era na dor, visão consoladora.
Não o via e, no entanto, em toda hora,
Nesse anelo cruciante e intraduzível,
Podia ver, sentindo o Incognoscível
E a sua onisciência criadora.
Mas a insídia do orgulho e da descrença
Guiava-me a existência desolada,
Recamada de dor profunda e intensa;
Pela voz da vaidade, então, eu cria
Achar na morte a escuridão do Nada,
Nas vastidões da terra úmida e fria.
3
Depois de extravagâncias de teoria,
No seio dessa ciência tão volúvel,
Sobre o problema trágico, insolúvel,
De ver o Deus de Amor, de quem descria,
Morri, reconhecendo, todavia,
Que a morte era um enigma solúvel,
Ela era o laço eterno e indissolúvel,
Que liga o Céu à Terra tão sombria!
E por estas regiões onde eu julgava
Habitar a inconsciência e a mesma treva
Que tanta vez os olhos me cegava,
Vim, gemendo, encontrar as luzes puras
Da verdade brilhante, que se eleva,
Iluminando todas as alturas.
Francisco Cândido Xavier - Parnaso de Além-Túmulo

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